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    A instabilidade emocional em nossos dias

    A instabilidade emocional em nossos dias

    O transtorno bipolar afeta mais de 140 milhões de pessoas em todo o mundo. Entenda a forma correta de lidar com a doença

    Por Pablo Canalis, Portal Igreja Adventista do Sétimo Dia


    Se há uma palavra que descreve nossa vida hoje em dia, e descreve muito bem, é a palavra “instabilidade”. Podemos atribuir à pandemia, às mudanças climáticas, às mudanças políticas, aos avanços tecnológicos, ou encontrar outras causas; mas essa causa se especializa em nos desestabilizar quando não esperamos. Está em nossa mente, em nossa forma de ver as coisas, de sentir, de querer viver, de raciocinar. Ficamos instáveis, nossa vida se complica e isso nos perturba.

    Entre os transtornos ou doenças da área da saúde mental, encontramos uma patologia que se caracteriza precisamente pela instabilidade gerada em nosso humor: a bipolaridade ou o transtorno bipolar. Como descrito no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 5ª edição), ela pode ser classificada em vários subtipos, mas os mais conhecidos são os tipos 1 e 2.

    O primeiro tipo é demonstrado quando, pelo menos, um episódio maníaco e um episódio depressivo aparecem na história da doença. No segundo tipo, aparece pelo menos um episódio hipomaníaco e outro episódio depressivo. Entenda:

    Bipolaridade tipo 1

    Vou simplificar esses termos com um exemplo do meu dia a dia no consultório. Vamos entender a bipolaridade tipo 1 descrevendo um paciente com a seguinte queixa:

    “Dr. Pablo, não sei por que estou aqui, minha esposa me obrigou a vir, mas eu estou muito bem, de fato, nunca me senti melhor em minha vida… Eu estava mal o ano passado, não tinha vontade de fazer nada, não podia nem sair da cama, não comia, nem tomava banho, a vida não tinha mais sentido e até pensei em me matar.

    Mas há uns meses, como por mágica, eu me sinto muito bem, estou trabalhando em dois grandes projetos na empresa, e já estou pensando em um terceiro, as ideias fluem em minha mente como nunca. Quase não preciso dormir, minha mente trabalha muito melhor durante a noite e ao dormir por algumas horas, eu me levanto como se tivesse dormido 15 horas.

    Faço atividade física todos os dias, e parece que fico com vontade de fazer mais, inclusive já falei com alguns amigos para nos reunirmos para jogar futebol no clube, e eu estou organizando tudo. Todos me perguntam como tenho energia para fazer tantas coisas.

    Outro dia eu troquei de carro, minha esposa quase me matou quando ficou sabendo, porque eu comprei a camionete que sempre quis, e já falei com outro amigo que está vendendo uma moto, eu quero dar de presente para o meu filho de cinco anos, eu sei que ele é muito pequeno, mas é uma oferta incrível!

    O que eu preciso lhe dizer é que há uns vinte dias estou tomando mais bebidas alcoólicas, e outro dia eu quis experimentar cocaína, não foi muito, umas três ou quatro linhas, e isso, por favor, não conte à minha esposa! Mas foram poucas vezes; além disso, não me acontece nada.

    Mudando de assunto, para que você veja que estou como um avião, no lado sexual eu pareço um adolescente, eu nunca me canso. Tenho que admitir uma certa dificuldade para me controlar, e não diga nada à minha esposa, mas outro dia fui a um desses lugares… Você sabe… Enfim, o que eu falei? Estou super bem!”

    Nessa história vemos várias características que são consideradas critérios diagnósticos: manias; o humor é anormal, elevado, expansivo ou irritável; muita energia que deve durar no mínimo uma semana, a maior parte do dia, quase todos os dias. Também podemos notar a autoestima elevada; menos necessidade de dormir; verborragia (falar muito ou em alta velocidade e com grande eloquência); grandes ideias.

    Perceba também um aumento da atividade (social, profissional, sexual), podendo se envolver em situações de risco (compras descontroladas, atividade sexual, uso abusivo de substâncias ou investimentos econômicos). Por outro lado, há um episódio depressivo importante há um ano, que ajuda a realizar um diagnóstico provável. Qualquer um dos dois polos pode precisar de uma internação para estabilizar o quadro e cuidar do paciente.

    Bipolaridade tipo 2

    Na bipolaridade tipo 2, o quadro hipomaníaco é parecido ao da mania, mas com menor intensidade. Normalmente, não é necessária a internação para controlar os sintomas. As mudanças são claramente identificadas como diferentes no dia a dia normal da pessoa.

    Na fase maníaca, há momentos em que os sintomas podem ser tão graves que o paciente pode ter um quadro psicótico associado. Por exemplo: ter ideias delirantes de que está sendo perseguido; ter alucinações auditivas, como ouvir vozes dizendo o que deve fazer ou dizendo coisas irritantes constantemente.

    É muito fácil que essa doença destrua famílias, cause divórcio por traição, violência, ou coloque os familiares em situações sociais complexas. Empresas são destruídas ou criadas tão rapidamente com ideias incríveis que não podem ser mantidas. Se a mudança de humor para o polo depressivo ocorrer na metade do caminho, pode acarretar doenças sexualmente transmissíveis, estimular o abuso e até a dependência de substâncias como o álcool, tabaco, cocaína, entre outros.

    É sempre muito mais difícil que o paciente procure ajuda ou aceite um tratamento quando está na fase maníaca ou hipomaníaca, pois realmente se sentirá muito bem. No entanto, os que sofrem são os familiares ou as pessoas próximas. Com frequência, a ajuda é solicitada na fase depressiva, momento em que pode até ter ideias ou tentativas suicidas. O paciente se sente realmente mal e procura ajuda médica rapidamente.

    A frustração pela mudança de polo “sem uma causa aparente” gera muito desânimo, frustração e até uma necessidade quase obsessiva de se manter no polo mais alegre e produtivo. O que faz com que não aceite bem o tratamento, parando de tomar os medicamentos, ou tomando somente os que não o deixam para baixo. A instabilidade do humor se acentua e o ciclo se repete.

    Existem algumas pessoas que experimentam essas mudanças de polaridade por períodos muito longos e, muitas vezes, isso dificulta a realização de um diagnóstico correto, fazendo com que o tratamento passe a ser pouco eficaz. Outros experimentam essas mudanças de maneira muito rápida, acontecendo várias vezes no mesmo dia, ou no decorrer de poucos dias, o que facilita muito o diagnóstico e a implementação do tratamento.

    Terapia e medicação

    Falando em tratamento, dependendo da gravidade, o mesmo pode ocorrer com medicamentos estabilizadores de humor, e/ou com terapia psicológica. Em minha experiência, e na de muitos colegas, combinar as duas estratégias terapêuticas (terapia e medicamentos), produz um resultado muito melhor, chegando a estabilizar o quadro em menos tempo.

    O grande estabilizador farmacológico é o lítio, mas há outros medicamentos que também atuam como estabilizadores. Entre eles: a quetiapina, o ácido valproico e a lamotrigina. Todos eles requerem indicação e controle médico psiquiátrico.

    Junto com essa combinação, e entendendo que o ser humano é um ser complexo, é muito importante cuidar de outras áreas, como a alimentação saudável, manter os princípios morais e espirituais adequados, cuidar do sono e manter uma atividade física adequada.

    Com esses conceitos que tentei resumir e exemplificar, deixo alguns conselhos práticos:

    1. Não fique bravo com a pessoa antes de entender que pode ser a doença que está comandando as suas ações, seus pensamentos e suas palavras;
    2. Na dúvida, consulte um especialista da área de saúde mental, para poder ter uma direção do que é preciso fazer e entender;
    3. Entenda que a fase eufórica é fenomenal, mas também precisa ser controlada, e não resista ao tratamento, pois é para o seu próprio bem;
    4. Alguns medicamentos usados nos quadros maníacos dão sono, não se assuste. Muitas vezes, é necessário que o paciente diminua a atividade para protegê-lo;
    5. Comece a analisar as ações e entender que podem estar fora do normal esperado; é preciso falar, perguntar se é somente uma impressão, pedir ajuda;
    6. A bipolaridade é uma doença, não é falta de fé! De fato, a fé em Deus ajudará muito no tratamento e ajudará os familiares a entenderem melhor e a ajudarem;
    7. Se estiver em um polo, entenda que o outro polo pode aparecer a qualquer momento; ao compreender isso, peça ajuda;
    8. Essa doença tem tratamento, não perca a esperança.

    PABLO DANIEL CANALIS é médico especialista em psiquiatria pela Universidade Maimonides, de Buenos Aires, e pós-graduado em Medicina da Família e Comunidade pela Universidade de São Paulo (USP)

    Matéria original: https://noticias.adventistas.org/pt/noticia/saude/a-instabilidade-emocional-em-nossos-dias/

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