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    Leite e câncer de próstata

    Leite e câncer de próstata

    A alta concentração de hormônios esteroides presentes em produtos lácteos pode estar relacionada ao efeito que esses produtos têm sobre o início e a progressão do câncer de próstata e até do de mama

    Por Ivan Stabnov, Revista Vida e Saúde


    O leite é produto da secreção da glândula mamária dos mamíferos. Sua composição é variável e depende da raça, alimentação do animal, individualidade, estação do ano, época da lactação, idade, do número de parições e alterações climáticas.

    O leite de vaca apresenta em 100 gramas cerca de 3,2 a 3,5 gramas de proteínas, 3,5 a 4,5 gramas de gordura – sendo dois terços delas saturadas –, 86 a 89% de água e 0,7 a 0,8% de minerais.

    É impossível traçar o início do consumo do leite, porém, certamente, ele está relacionado com a criação de animais domésticos. Até o fim do século 19, o leite de vaca era usado como substituto do leite humano para crianças, ou em adição a ele. No século 20, o leite de vaca passou a ser considerado alimento básico nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Houve melhoria nos processos de industrialização e refrigeração, e as embalagens tratadas com altas temperaturas ajudaram a aumentar a durabilidade e o consumo. Com o declínio do aleitamento materno, o leite de vaca modificado passou a ser utilizado para lactentes, inclusive em programas sociais.

    Na década de 1960, o leite integral e derivados integrais passaram a ser considerados causadores de doença arterial coronariana e, mais recentemente, considerados boa fonte de cálcio, devido à osteoporose.

    A literatura médica não apresenta muitos estudos sobre a associação do consumo do leite com o câncer de próstata, mas metanálises recentes (agrupamento de vários estudos científicos) têm demonstrado essa relação.

    O câncer de próstata é o segundo mais comum em homens no mundo, perdendo apenas em número para o câncer de pulmão. De cada sete homens, um terá câncer de próstata. A incidência de câncer de próstata em 2018 foi de 1.276.106 casos, ou 13,5% de todos os cânceres em homens, o que gerou a mortalidade de 358.989 pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde.

    No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer estima que, para cada ano do biênio 2018-2019 teremos 68.220 novos casos de câncer de próstata. No ano de 2015 houve 14.484 mortes devido a esse mal.

    Como se pode perceber, o câncer de próstata tem elevada incidência e mortalidade também. No Brasil é o câncer de maior incidência nos homens, excluindo o câncer comum de pele. Devido a essa incidência, é importante entender o que causa o problema e como se prevenir.

    As maiores causas são a idade avançada, acima de 50 anos, o histórico familiar de primeiro grau, pele negra, uso de hormônios sexuais, etilismo, obesidade e padrão dietético. Quanto mais desenvolvido é um país, maior é a sua incidência. Neste artigo, vamos focalizar o padrão dietético, especialmente relacionado ao consumo de leite e derivados.

    A dieta ocidental, rica em leite e produtos lácteos, gordura animal e açúcares, com alto teor de cálcio, também está ligada ao crescimento de risco do câncer de próstata. O maior consumo de leite per capita provavelmente esteja correlacionado à maior incidência e mortalidade de câncer de próstata, de acordo com informação de 2007 da World Cancer Research Foundation. O consumo de leite sempre foi associado à redução da mortalidade das crianças, aumento da fertilidade, aumento de índice de massa corpórea e do crescimento na adolescência. O consumo de leite apenas na adolescência foi associado a um aumento de 3,2 vezes no risco de câncer de próstata avançado em uma população de 8.894 homens na Islândia.

    Uma metanálise publicada na China em 2016 concluiu que o consumo de gordura derivada do leite, por homens, contribuiu significativamente para o aumento da mortalidade por câncer de próstata, estabelecendo a relação direta entre esse tipo de câncer e o consumo de leite. Também nesse estudo os autores concluíram que a ingestão de um litro de leite por dia aumenta em 32% a chance de um indivíduo ter câncer de próstata.

    Nos Estados Unidos, há cerca de 2,6 milhões de sobreviventes do câncer de próstata, segundo o National Cancer Institute. O prognóstico dessa população foi melhorado pela adoção de hábitos saudáveis de alimentação e exercícios físicos, o que inclui a redução de carnes, leite e seus derivados, particularmente aqueles ricos em gorduras. Essa atitude faz com que haja redução na progressão do câncer.

    Receptor de andrógeno

    Para compreender como o câncer de próstata ocorre é importante conhecer o receptor de andrógeno, um hormônio masculino. O receptor de andrógeno é uma proteína existente no núcleo de determinadas células, à qual se ligam os hormônios masculinos, como, por exemplo, a testosterona. Esse receptor é encontrado normalmente no sistema urogenital masculino e nas áreas em que normalmente crescem pelos nos homens. A união dos hormônios masculinos com o receptor de andrógeno ocorre graças à complementaridade estrutural entre essas moléculas, como entre peças de Lego, ou mesmo um sistema de chave e fechadura. Essa ligação leva a uma série de reações químicas que culminam com a expressão de certos genes. No caso do câncer de próstata, essa expressão se traduz em proliferação celular. O câncer de próstata é dependente dos hormônios masculinos para seu desenvolvimento e progressão.

    A alta concentração de hormônios esteroides presentes em produtos lácteos pode estar relacionada ao efeito que esses produtos têm sobre o início e a progressão do câncer de próstata e até do de mama. Os produtos lácteos concentram hormônios como fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1). Nos últimos anos, de acordo com a evidência epidemiológica, sabe-se que o risco de câncer de cólon, pâncreas, tumores do endométrio, mama e próstata está associado a altos níveis de IGF-1.

    Uma metanálise feita por um grupo científico português ligado à Universidade de Lisboa e à Universidade Católica Portuguesa, publicada em maio de 2019, juntou trabalhos publicados nos últimos cinco anos, cujo assunto era o consumo de produtos lácteos e o câncer de próstata. Foram separados 32 trabalhos científicos e somente 21 cumpriram os requisitos estabelecidos. Os 21 trabalhos foram divididos em dois grupos. O primeiro grupo de cinco trabalhos relacionava o consumo de produtos lácteos diretamente com o aparecimento de câncer de próstata, e o segundo grupo, com 16 trabalhos, relacionava o câncer de próstata com os receptores andrógenos e os mecanismos que cercam essa relação.

    No primeiro grupo, apenas um trabalho não mostrou relação entre o consumo de leite e derivados com o câncer de próstata. Dois trabalhos concluíram que existe essa relação e outros dois trabalhos sinalizaram que a estratégia de prevenção ao câncer de próstata passa pela moderação no consumo de carnes e produtos lácteos. Os produtos mencionados foram leite, leite desnatado, queijo e iogurte.

    O segundo grupo de trabalhos analisou a relação de um complexo de proteínas, chamado mTORC1, que está relacionado com o câncer de próstata e sofre alteração por meio do aumento de fatores de crescimento, como o IGF1. Seis trabalhos demonstraram que a desregulação do complexo proteico mTORC1 estava presente na maior parte dos casos de câncer de próstata. A desregulação desse sistema está relacionada ao aparecimento ou à progressão desse câncer.

    Outros seis trabalhos demonstraram que o consumo de produtos lácteos desregula o mTORC1. O leite materno contém 1,2 grama de proteína a cada 100 ml. O leite de vaca contém quase três vezes mais essa quantidade. Apesar de o leite ser um alimento que auxilia o desenvolvimento das crianças, seu uso na adolescência está sendo questionado pela ativação do sistema proteico do mTORC1 e consequentemente desenvolvimento de câncer de próstata. Portanto, uma das conclusões desses trabalhos é que o uso de leite como fonte de alimento para adolescentes deve ser descontinuado.

    Nos trabalhos analisados, a maioria dos comentários aponta para uma associação entre o consumo de leite e a incidência, ou aumento, do risco de câncer de próstata. Há fortes evidências na literatura que associam o consumo de produtos lácteos, o início do câncer de próstata e a progressão da doença. Mais estudos são necessários para esclarecer quais derivados são prejudiciais e quais quantidades são necessárias para iniciar a doença ou para a progressão tumoral. É fato que, de acordo com a análise dos dados disponíveis, é possível estabelecer uma relação entre o consumo de produtos lácteos e a progressão do câncer de próstata e seu início. Portanto, o consumo de leite e seus derivados deve ser reduzido ou abolido na dieta dos homens a partir da adolescência.

    No início do século passado, a escritora norte-americana Ellen White escreveu o seguinte: “Chegará talvez o tempo em que não seja seguro usar leite. Sejam as pessoas ensinadas a preparar o alimento sem o uso de leite ou manteiga. Seja dito a elas que breve virá o tempo em que não haverá segurança no uso de ovos, leite, creme ou manteiga, por motivo de as doenças nos animais estarem aumentando na mesma proporção do aumento da impiedade entre os homens. Aproxima-se o tempo em que, por motivo da iniquidade da raça caída, toda criação animal gemerá com as doenças que amaldiçoam nossa Terra” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 210, 349).

    Este tempo já teria chegado?


    IVAN STABNOV é gastroenterologista e endoscopista digestivo



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